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samia2

foto: paulo amoreira

Por onde começo? Deixa ver… Hum, ta; entrei, avisto travesseiros pelo chão, um convite para que tentemos ficar confortáveis, é o que penso, enfim, escolhemos o nosso, nos instalamos, estamos firmes à princípio em nosso território escolhido e já então seguro. De repente um olhar me perfura, sinto logo que não vai ser fácil. Como é difícil olhar alguém assim tão intensamente, como é difícil olhar de verdade. Nesse momento o corpo estremeceu, teve uma ligeira intenção de fugir envergonhado sabe-se lá de quê, mas a oportunidade não era das mais comuns, eu tinha uma alma aberta diante de mim, como ia fugir dela, como ia fugir disso? Tomei uma coragem que não me pertencia e permaneci a olhar, a cada segundo mais e mais profundamente aqueles olhos, aquele alguém. Esse momento talvez eu possa descrever como sendo o momento de arrebatação. Era isso mesmo, eu estava ali, arrebatada, entregue à um tempo que vinha de encontro a meu tempo particular. E vinha de forma tão generosa, pedindo licença de forma tão carinhosa que não havia também como não se dar, eu confiei e fui. Confesso que houve um instante em que pensei egoistamente em mim, um instante em que eu quis simplesmente me tornar invisível, sem me importar com qualquer troca que fosse, queria permanecer ali bem perto, porém invisível para chorar o rio que naquele momento me atravessava. Um rio de corredeiras inflamadas, sim por que diante daquilo era preciso chorar, e muito. Mas logo veio também um querer altruísta, um querer cuidar de todos ali. Acariciar a cabeça do Márcio era preciso também, beijar o rosto da Sâmia era preciso, abraçar o Possi era preciso, rolar daquele jeito feito um bolo só, era preciso por demais. E claro que eu não me permiti de fato fazer nada disso. Ficou tudo explodindo na garganta e no peito, não que isso seja ruim, pois a vontade já é um princípio, e com certeza eu devo ter feito tudo isso sim em algum estado de matéria desconhecido por nós. O meu acalanto e meu toque passearam pelo ar e esteve sim com, e em vocês. Perdoem-me o termo, mas foi como fazer amor de tão íntimo que foi, de tão especial que é esse trabalho. Vocês conseguem nos trazer um momento único. Os movimentos minuciosos revelavam um mundo de intimidades valiosas, é um caminho que se faz de encontro a mais profunda camada de nosso ser. Isso é de uma complexidade tamanha, que o feito de vocês chega a ser grandioso e fenomenal. Colocam a arte aliada à vida de um jeito lindo, e esta arte/vida me atrai muito. Como é maravilhoso ver o pouco em cena, digo pouco no sentido de quantidade, limpo, sem excessos. Ultimamente tenho prezado muitíssimo essa simplicidade poderosa. Eu ficaria facilmente ali por horas compartilhando daquelas presenças calmas, porém fortes e acima de tudo sinceras. Particularmente me identifico plenamente com “Os Tempos” por falar de um tempo que vai contra, quer dizer, contra não, paralelamente não é isso? Bom, um tempo que está em paralelo com esse tempo louco e veloz no qual nos implantamos. Eu sou naturalmente do tempo da permanência, é da minha natureza permanecer onde me agrada, e isso pode ser qualquer coisa neste mundo. O brilho do asfalto, por exemplo, pode me fazer permanecer a ponto de filosofar sobre ele. Talvez eu seja uma louca, mas não sou a única e também se sou, não importa mais. O que importa mesmo é saber que logo ali, bem perto de mim existem algumas pessoas que ao menos tratam esse precioso tempo como ele realmente deve ser tratado e de alguma forma tentam habitá-lo nem que seja apenas na duração de uma apresentação de um espetáculo. Na verdade cada um de vocês é um lugar magnífico e a viagem por todos juntos e por cada um individualmente foi ótima. Obrigada Sâmia, obrigada Márcio, obrigada Possi, obrigada Andréa por esse “tempo” juntos.

Um grande abraço, Aline Silva.

em julho os tempos no teatro do sesc-senac

foto:paulo amoreira

É lindo ver de perto e ler no blog do que vocês são capazes.
Aqui vai um pouco de mim para vocês.

Algumas palavras-dançantes…

Faz tempo que gostaria de escrever, mas evitava por saber que não vou conseguir jamais deixar aqui tudo o que vivi ao acompanhar a composição de “Os tempos”. De qualquer modo, percebi que é importante dizer, e registrar de certo modo, meu agradecimento por me deixarem circular no grupo, por me presentearem com o cotidiano de vocês, com cada dança que criavam. Todos esses meses foram um presente para mim, não só como pesquisadora, mas como amante da dança, como pessoa que está em permanente construção.

“Passagens secretas fincam âncoras no peito”. Esse trecho de San Pedro, de Eduardo Jorge, me veio à mente em uma noite, ao assistir a apresentação de “Os tempos”. Sim, pois só isso poderia explicar o que eu sentia. Aquela não era a primeira vez que presenciava o espetáculo. Somente com essa capacidade do grupo de encontrar novas passagens secretas a cada apresentação, com a capacidade de reinventar-se a cada movimento, de criar âncoras em nossos peitos é que o fato de rever tantas vezes esta mesma criação não me trazia sensação de repetição. Ao contrário. Pude pela primeira vez compreender, com a mente e com o corpo, como é possível a diferença se instaurar na repetição. A repetição é uma nova possibilidade de se criar de forma diferente, de se reorganizar o existente. É como aquele que se deixa alucinar dentro da linguagem conhecida.

Sensações compartilhadas que ora vinham na forma de aconchego, ora na forma de resistência, faziam-me pensar em como é difícil existirem momentos como aqueles que eu tive a oportunidade de participar. Na vida corrida, encontrar espaço para a generosidade não é fácil. E eles estavam ali, prontos para entregar ao público cada movimentação, cada estado, cada gesto, cada música, cada silêncio, cada objeto cênico e figurino que por nós eram escolhidos e significados.

Com a dança de “Os tempos”, mergulhamos em um mundo pelo qual somos arrastados. Esse espetáculo gera um aprendizado nos espectadores, mesmo que não tenha essa intenção prévia. Não tem como sair de lá sem enxergar essa abertura, esse convite para a invenção de outros modos de existência, de processos de singularidades, de resistência, como o andarilho que se experimenta, para além da reprodução dos modelos que nos são ofertados na sociedade capitalista em que vivemos. Não se trata de algo que falte à nossa realidade, mas um novo modo de compor a realidade, de existir.

Diante da paralisação, o movimento de resistir em conjunto nos é apresentado. “Os tempos” traz um pouco de ar fresco, uma onda de alegria, um bocado de novas possibilidades, de novos passos. Resignação. Tudo isso nos é dito com um mínimo. O mínimo como opção. Mínimo necessário para deixar marcas inesquecíveis. Obrigada!

Muitos abraços,
Eveline Nogueira.

Foto: Paulo Amoreira

*por Jacqueline Peixoto

Olá, Andrea,Marcio, Possi e Sâmia. Eis um pouco do que foi ” os tempos” para mim.

Resignação ……

As mudanças atuais na nossa sociedade faz-nos repensar muitos valores, valores estes que nos remetem a sensações e tempos diferentes. Acredito que pensar em tempo hoje é associá-lo à velocidade e a variação dela em nosso cotidiano.

Estamos em constante diálogo com um tempo que muitas vezes nos é imposto. E onde a idéia de liberdade a meu ver é cada vez mais utópica. Desta forma, na aceleração do tempo real das coisas que fazemos desaceleramos um outro tempo que é tão peculiar à nossa sobrevivência artística: o tempo da percepção, da sensação, da inclusão e da relação com o outro…

Ressalto isto porquê foi assim que me senti(suspensa em um outro tempo) ao assistir ao espetáculo ” Os tempos” da Cia Arte Andanças sob a direção da coreógrafa Andrea Bardawil e dos intérpretes-criadores: Marcio Medeiros, Possidônio Montenegro e Sâmia Bittencourt no dia 14 de julho de 2008(ainda em um ensaio).

O mesmo em sua forma e composição fez-me rever um outro tempo e aguçou em mim possibilidades outras de fazer, pensar e porquê não dizer, dividir a dança.

A sintonia e generosidade dos três intérpretes – criadores nos convida a dançar o espetáculo inteiro. Aliás, também somos co-participantes/bailarinos do mesmo, desde o tirar os sapatos para assistí-lo em uma sala extremamente agradável e aconchegante, a olhar nos olhos dos bailarinos, estabelecendo uma troca energética, além de sentir vontade de embolar-se com os mesmos na cena final.

Ressalto também a qualidade energética com que a coreógrafa Andrea Bardawil incita e nos mostra através de seus bailarinos/intérpretes. Há uma variação de energia muito bem dosada, suscinta, capaz de conduzir o espectador a uma viagem por lindas imagens. Aqui recordo a expressão ”corpo-em-vida” de Eugênio Barba. Os três corpos que dançam este trabalho parecem às vezes nos contar histórias tão particulares que nos dizem muito com suas movimentações…Histórias são contadas sem uma palavra ser dita, porquê o corpo já se dá conta de nos falar muito… Os bailarinos não dançam só com o esqueleto,eles dançam com seus afetos e isto conseqüentemente nos afeta enquanto público.

Os objetos cênicos da obra, lençóis e travesseiros além da trilha sonora que ora aproxima e ora nos afasta, tornam-se uma ponte a nos propiciar um encontro significativo com o espetáculo. Pois, nos sentimos tão á vontade que as horas passam e não percebemos o tempo final do espetáculo, já que estamos em um tempo dilatado: o tempo, da delicateza, da sutileza, do encontro,do afeto,da verdade, da sinceridade, da generosidade,enfim.

É na simplicidade que Andrea e seus dançarinos nos falam profundamente da complexidade que é viver e de estarmos inseridos nesta dialética do mundo contemporâneo. O tempo não dito. Em que o tempo delicado é delicado tempo….

Acredito que o espetáculo faz-nos pensar na prática deste outro tempo enquanto fomentadores da dança que somos e instiga-nos a sermos artistas mais generosos com a dança que pretendemos partilhar.

Foto: Paulo Amoreira

São quatro e meia da madrugada. Fui vencido pelo convite pacífico das palavras que não param de dançar em mim. São palavras de resistência cúmplice. Sensações insones de urgências calmas. Mas tenazes. Como de costume sei de onde vêem as palavras embora não as perceba em toda a extensão dos sentidos. Como alguém que ouve seu nome no meio de uma multidão. Na cegueira do excesso. Quando se permite silenciar por dentro acha – finalmente – a fonte do chamado. Sei por exemplo que são palavras que começaram a navegar em mim quando me aproximei do novo espetáculo da Cia da Arte Andanças – Os Tempos. Inicialmente como fotógrafo. Hoje (algumas horas atrás) como andarilho – ou como alguém na multidão chamaria de platéia. Que novos passos são esses que meu caminhar está descobrindo?

O que está em cena em Os Tempos é o poder de um ato de resistência cúmplice. Subversão absoluta das expectativas belicosas. Trata-se de resistir com não resistir contra (nas palavras-síntese da coreógrafa Andréa Bardawil). Ilhas de afeto conectadas formando um interminável arquipélago de intimidades compartilhadas. Ilhas móveis que não se importam de fluir se aproximando ou distanciando-se de continentes materiais. Ilhas de afeto como fronts para uma Batalha Sutil. Como se numa Guerrilha Branda os intérpretes-criadores Possidônio Montenegro, Sâmia Bittencourt e Márcio Medeiros convocam afetos para afirmar a vida como instância do possível. Em cena figuras e circunstâncias são apresentadas e logo se fragmentam em totalidades sugeridas. A cumplicidade com o público não se dá por negociação. Nem por imposição. Nem por circunstância. É cumplicidade baseada na entrega e no desejo de retribuição. É uma irresistível vontade de juntar-se à caminhada do Andarilho Existencial – para quem a vida inteira é descoberta em cada passo. Em cada descanso. Em cada recomeço.

Todo o universo convocado por Os Tempos cabe numa sala (a mesma sala onde acontecem os ensaios). Na construção estética da Cia da Arte Andanças um teatro convencional – com sua topográfica polarizada entre distâncias: palco e platéia – não daria conta da complexidade das relações estabelecidas pelos movimentos ora expansivos ora minuciosos. Tampouco estabeleceria a suspensão assinalada nas cenas e conexões. Movimento como confissão. Dança como afirmação do sendo. Urgência de calmaria.

Uma sala. Gosto da idéia de uma sala de bem-estar. Sem outros status solicitados além da necessidade da minha presença. Estar inteiro ali. Estar inteiro aqui. Estar inteiro em mim. A ausência de distâncias protocolares faz com que bailarinos e público se tornem um todo dançante. Quantas revoluções desarmadas podem nascer de situações com tal intensidade? Que política íntima está em jogo quando se compreende que para além do vivido existe um imenso campo de possíveis? Que jugo persiste sobre um corpo livre?

Caminho devagar. O dia amanhece. Meus tempos estão em paz. Danço com as palavras. Com o ar que respiro. Com quem quiser comigo dançar.

Sou dos que fazem parte da Guerrilha Branda. Não há caminho que não possa caminhar.

Paulo Amoreira

foto: paulo amoreira

De algo que as palavras não dão conta, é no que nos detemos com este trabalho.

Do que se trata viver? Do que se trata estar vivo e passar pela vida?

Não são poucas as vezes em que nos abate a paralisia, diante da inabilidade de lidar com o imponderável. Existem uns que ali permanecem, desistidos, em tempos de um não discernimento da vida, dos valores, do que pode valer a pena num regime de economia, distendido ao máximo alcance: pouco movimento, poucos desejos, poucos sonhos, pouco esforço. E existem os que passam, os que simplesmente andam em tempos outros, alheios à aceleração vertiginosa dos dias e das coisas de agora.

Ganhar espaço por dentro exige discrição. Ter coragem exige muita concentração.

Sutil diferença do tempo de economia: mínimo de movimento com o máximo de esforço. A construção de tempos outros: alquimia refinada, a de inverter polaridades internamente, transformando a dor em seiva que nutre.

E eis que me vem uma palavra, que passa a andar comigo, infalivelmente, nos meus passeios silenciosos: resignação…

O que é, onde está?

Passamos então a seguir seus rastros: oriente e ocidente, deserto e caatinga. O que age e o que espera? Para muitos, estado de acomodação passiva do qual se precisa sair. Para outros, tradições religiosas e espiritualistas de um mundo em estado de desagregação, virtude ativa e condição necessária para a conquista da felicidade, estado ao qual se precisa chegar.

Roland Barthes nos lembra, em O Neutro, o que os japoneses chamam de sabi: “simplicidade, naturalidade, não-conformismo, refinamento, liberdade, familiaridade estranhamente mitigada com desinteresse, banalidade cotidiana requintadamente velada de interioridade transcendental.”

De onde se parte e aonde se chega?

Este espetáculo diz respeito a uma forma de estar no mundo, algo que nos interessa observar, pensar e experimentar. Fé, força interior, resignação, capacidade de resistência, qualidade de resistir, neutro, princípio de delicadeza. O que for.

O que importa é que sejamos os que andam. Porque andar nos traz o silêncio, o verdadeiro processo alquímico: a transformação do metal em ouro.

Andréa Bardawil

Ficha Técnica
Concepção, direção e composição coreográfica – Andréa Bardawil
Intérpretes-criadores – Márcio Medeiros, Possidônio Montenegro e Sâmia Bittencourt
Assistente de Produção – Heber Stalin
Pesquisa e Montagem de Trilha Sonora – Consiglia Latorre
Figurino – Ruth Aragão
Assistente de Figurino – Gil
Iluminação – Walter Façanha
Projeto Gráfico e Fotos – Paulo Amoreira
Pesquisadora de plantão: Eveline Nogueira
O espetáculo Os Tempos permanecerá em cartaz nos dias 02, 03, 09, 10, 16, 17, 23 e 24, sempre às 19h, no Instituto Aquilae (rua Marcondes Pereira, 1077, fone 3272 4701). A platéia será limitada a 40 pessoas por dia. As reservas podem ser feitas pelo telefone 8744 4301 (Heber), e serão mantidas até 20min antes do início do espetáculo. A partir deste prazo, serão disponibilizadas aos demais interessados. Ingressos: R$ 10,00 (inteira) e R$ 5,00 (meia)