De algo que as palavras não dão conta, é no que nos detemos com este trabalho.
Do que se trata viver? Do que se trata estar vivo e passar pela vida?
Não são poucas as vezes em que nos abate a paralisia, diante da inabilidade de lidar com o imponderável. Existem uns que ali permanecem, desistidos, em tempos de um não discernimento da vida, dos valores, do que pode valer a pena num regime de economia, distendido ao máximo alcance: pouco movimento, poucos desejos, poucos sonhos, pouco esforço. E existem os que passam, os que simplesmente andam em tempos outros, alheios à aceleração vertiginosa dos dias e das coisas de agora.
Ganhar espaço por dentro exige discrição. Ter coragem exige muita concentração.
Sutil diferença do tempo de economia: mínimo de movimento com o máximo de esforço. A construção de tempos outros: alquimia refinada, a de inverter polaridades internamente, transformando a dor em seiva que nutre.
E eis que me vem uma palavra, que passa a andar comigo, infalivelmente, nos meus passeios silenciosos: resignação…
O que é, onde está?
Passamos então a seguir seus rastros: oriente e ocidente, deserto e caatinga. O que age e o que espera? Para muitos, estado de acomodação passiva do qual se precisa sair. Para outros, tradições religiosas e espiritualistas de um mundo em estado de desagregação, virtude ativa e condição necessária para a conquista da felicidade, estado ao qual se precisa chegar.
Roland Barthes nos lembra, em O Neutro, o que os japoneses chamam de sabi: “simplicidade, naturalidade, não-conformismo, refinamento, liberdade, familiaridade estranhamente mitigada com desinteresse, banalidade cotidiana requintadamente velada de interioridade transcendental.”
De onde se parte e aonde se chega?
Este espetáculo diz respeito a uma forma de estar no mundo, algo que nos interessa observar, pensar e experimentar. Fé, força interior, resignação, capacidade de resistência, qualidade de resistir, neutro, princípio de delicadeza. O que for.
O que importa é que sejamos os que andam. Porque andar nos traz o silêncio, o verdadeiro processo alquímico: a transformação do metal em ouro.
Andréa Bardawil
Ficha Técnica Concepção, direção e composição coreográfica – Andréa Bardawil Intérpretes-criadores – Márcio Medeiros, Possidônio Montenegro e Sâmia Bittencourt Assistente de Produção – Heber Stalin Pesquisa e Montagem de Trilha Sonora – Consiglia Latorre Figurino – Ruth Aragão Assistente de Figurino – Gil Iluminação – Walter Façanha Projeto Gráfico e Fotos – Paulo Amoreira Pesquisadora de plantão: Eveline Nogueira O espetáculo Os Tempos permanecerá em cartaz nos dias 02, 03, 09, 10, 16, 17, 23 e 24, sempre às 19h, no Instituto Aquilae (rua Marcondes Pereira, 1077, fone 3272 4701). A platéia será limitada a 40 pessoas por dia. As reservas podem ser feitas pelo telefone 8744 4301 (Heber), e serão mantidas até 20min antes do início do espetáculo. A partir deste prazo, serão disponibilizadas aos demais interessados. Ingressos: R$ 10,00 (inteira) e R$ 5,00 (meia)
meus queridos,
que prazer ver vocês nessa espécie de caderno virtual!!!
a meu ver, devem ser publicados os materiais, de forma compartilhada e generosa (no sentido daquele que provoca) para que os afetos sejam ainda mais ativados.
publicar em rede significa economia de papel e distribuição de forma mais democrática.
eu admiro demais o trabalho da equipe do andanças (isso pra não falar de cada um em especial). são daqueles trabalhos que nos instigam, nos provocam, nos atravessam…
quero ver ainda as matérias, os comentários das conversas após o espetáculo, algumas palavras dos bailarinos sobre o processo criativo…
pra mim, os tempos são desenhos de espaços no ar, espaços que vemos e sentimos diariamente, que nos habitam e dos quais suspendemos a respiração pra falar…
PARABÉNS!!!
boa vida ao diário de bordo virtual!!!
sua fã número 1,
fátima souza.
Olá, Andrea,Marcio, Possi e Sâmia. Eis um pouco do que foi ” os tempos” para mim.
Quando a sutileza é o tempo
por Jacqueline Peixoto
Resignação ……
As mudanças atuais na nossa sociedade faz-nos repensar muitos valores, valores estes que nos remetem a sensações e tempos diferentes. Acredito que pensar em tempo hoje é associá-lo à velocidade e a variação dela em nosso cotidiano.
Estamos em constante diálogo com um tempo que muitas vezes nos é imposto. E onde a idéia de liberdade a meu ver é cada vez mais utópica. Desta forma, na aceleração do tempo real das coisas que fazemos desaceleramos um outro tempo que é tão peculiar à nossa sobrevivência artística: o tempo da percepção, da sensação, da inclusão e da relação com o outro…
Ressalto isto porquê foi assim que me senti(suspensa em um outro tempo) ao assistir ao espetáculo ” Os tempos” da Cia Arte Andanças sob a direção da coreógrafa Andrea Bardawil e dos intérpretes-criadores: Marcio Medeiros, Possidônio Montenegro e Sâmia Bittencourt no dia 14 de julho de 2008(ainda em um ensaio).
O mesmo em sua forma e composição fez-me rever um outro tempo e aguçou em mim possibilidades outras de fazer, pensar e porquê não dizer, dividir a dança.
A sintonia e generosidade dos três intérpretes – criadores nos convida a dançar o espetáculo inteiro. Aliás, também somos co-participantes/bailarinos do mesmo, desde o tirar os sapatos para assistí-lo em uma sala extremamente agradável e aconchegante, a olhar nos olhos dos bailarinos, estabelecendo uma troca energética, além de sentir vontade de embolar-se com os mesmos na cena final.
Ressalto também a qualidade energética com que a coreógrafa Andrea Bardawil incita e nos mostra através de seus bailarinos/intérpretes. Há uma variação de energia muito bem dosada, suscinta, capaz de conduzir o espectador a uma viagem por lindas imagens. Aqui recordo a expressão ” corpo-em-vida” de Eugênio Barba. Os três corpos que dançam este trabalho parecem às vezes nos contar histórias tão particulares que nos dizem muito com suas movimentações…Histórias são contadas sem uma palavra ser dita, porquê o corpo já se dá conta de nos falar muito… Os bailarinos não dançam só com o esqueleto,eles dançam com seus afetos e isto conseqüentemente nos afeta enquanto público.
Os objetos cênicos da obra, lençóis e travesseiros além da trilha sonora que ora aproxima e ora nos afasta, tornam-se uma ponte a nos propiciar um encontro significativo com o espetáculo. Pois, nos sentimos tão á vontade que as horas passam e não percebemos o tempo final do espetáculo, já que estamos em um tempo dilatado: o tempo, da delicateza, da sutileza, do encontro,do afeto,da verdade, da sinceridade, da generosidade,enfim.
É na simplicidade que Andrea e seus dançarinos nos falam profundamente da complexidade que é viver e de estarmos inseridos nesta dialética do mundo contemporâneo. O tempo não dito. Em que o tempo delicado é delicado tempo….
Acredito que o espetáculo faz-nos pensar na prática deste outro tempo enquanto fomentadores da dança que somos e instiga-nos a sermos artistas mais generosos com a dança que pretendemos partilhar.
Oi pessoas, e a vida continua… e se tece, nesse momento, por palavras, mas não só.
Tudo nos habita
monstros, fantasmas, cores
e o mais
que não sabemos.
Tudo nos habita.
(29.08.08)
“Os Tempos” – Acaba a apresentação e a Ruth me pergunta: e aí Lili, quais impressões? Ao que respondi: não sei… não sei… Ela continua: Tocou? Chegou? Fiquei desconcertada, porque não sabia e não sei o que dizer direito. Com o andar da carruagem e dos comentários comecei a visualizar, a racionalizar sobre as ‘minhas impressões’. Tive sim, um estranhamento, um estranhamento das coisas que cabiam. Engraçado isso, porque nunca cogitei que as coisas que cabiam podiam a mim ser estranhas. Também não consegui não lembrar d’O desejo é um lago azul, que me tinha arrebatado, me jogado fora e dentro ao mesmo tempo, sem que eu quisesse me entender ou reconhecer naquilo que acabara de vivenciar. Adorei os comentários do Paulinho e da Cassiana, esta falando de permissões e conquistas gradativas e aquele do espetáculo de lua e do “tá aqui o nosso compartilhar”. É uma sensação geral de abraço, afago, contato e de se perceber estado, estando. Não tem como não ver tudo o que foi e o que é a Cia. É singular, impregna, seduz, contagia. O mesmo diferente. A palavra cumplicidade também foi posta. Tentei fotografar, mas não tive coragem, nem forças. A máquina ficou ali coitada, esperando… resignada. Não percebi o figurino, nem a luz, nem nada. Não precisava. Tudo era uma outra coisa e uma só. Tudo muito familiar. Desnudos, nús. Envolver-se mais foi um desejo contido, uma espécie de respeito, um medo de quebrar, mas do que sê-lo. Não vi um espetáculo. Foi um encontro, sem justificativas nem interesses. É como escutar vinil, juntar pessoas para falar ou calar de tempos que nos preenchem a alma, a vida toda.
(29.07.08)
E tantas vezes abra o portão
há quem passe e o deixe
entre aberto
para o mais passar
Antes de acontecer
me levanto
e encosto
Volto ao cômodo sentar
assim não desejando
mas querendo
A tarde já não teima em ir
penumbra gravidando escuridão
Sem jeito:
é estar a cutucar o rosto
marcando sinais
ouvindo atritar
casca e unhas.
(01.05.05)
Beijos a todos e o meu eterno carinho.
Lili.