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Posts Tagged ‘os tempos’

Foto: Paulo Amoreira

São quatro e meia da madrugada. Fui vencido pelo convite pacífico das palavras que não param de dançar em mim. São palavras de resistência cúmplice. Sensações insones de urgências calmas. Mas tenazes. Como de costume sei de onde vêem as palavras embora não as perceba em toda a extensão dos sentidos. Como alguém que ouve seu nome no meio de uma multidão. Na cegueira do excesso. Quando se permite silenciar por dentro acha – finalmente – a fonte do chamado. Sei por exemplo que são palavras que começaram a navegar em mim quando me aproximei do novo espetáculo da Cia da Arte Andanças – Os Tempos. Inicialmente como fotógrafo. Hoje (algumas horas atrás) como andarilho – ou como alguém na multidão chamaria de platéia. Que novos passos são esses que meu caminhar está descobrindo?

O que está em cena em Os Tempos é o poder de um ato de resistência cúmplice. Subversão absoluta das expectativas belicosas. Trata-se de resistir com não resistir contra (nas palavras-síntese da coreógrafa Andréa Bardawil). Ilhas de afeto conectadas formando um interminável arquipélago de intimidades compartilhadas. Ilhas móveis que não se importam de fluir se aproximando ou distanciando-se de continentes materiais. Ilhas de afeto como fronts para uma Batalha Sutil. Como se numa Guerrilha Branda os intérpretes-criadores Possidônio Montenegro, Sâmia Bittencourt e Márcio Medeiros convocam afetos para afirmar a vida como instância do possível. Em cena figuras e circunstâncias são apresentadas e logo se fragmentam em totalidades sugeridas. A cumplicidade com o público não se dá por negociação. Nem por imposição. Nem por circunstância. É cumplicidade baseada na entrega e no desejo de retribuição. É uma irresistível vontade de juntar-se à caminhada do Andarilho Existencial – para quem a vida inteira é descoberta em cada passo. Em cada descanso. Em cada recomeço.

Todo o universo convocado por Os Tempos cabe numa sala (a mesma sala onde acontecem os ensaios). Na construção estética da Cia da Arte Andanças um teatro convencional – com sua topográfica polarizada entre distâncias: palco e platéia – não daria conta da complexidade das relações estabelecidas pelos movimentos ora expansivos ora minuciosos. Tampouco estabeleceria a suspensão assinalada nas cenas e conexões. Movimento como confissão. Dança como afirmação do sendo. Urgência de calmaria.

Uma sala. Gosto da idéia de uma sala de bem-estar. Sem outros status solicitados além da necessidade da minha presença. Estar inteiro ali. Estar inteiro aqui. Estar inteiro em mim. A ausência de distâncias protocolares faz com que bailarinos e público se tornem um todo dançante. Quantas revoluções desarmadas podem nascer de situações com tal intensidade? Que política íntima está em jogo quando se compreende que para além do vivido existe um imenso campo de possíveis? Que jugo persiste sobre um corpo livre?

Caminho devagar. O dia amanhece. Meus tempos estão em paz. Danço com as palavras. Com o ar que respiro. Com quem quiser comigo dançar.

Sou dos que fazem parte da Guerrilha Branda. Não há caminho que não possa caminhar.

Paulo Amoreira

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foto: paulo amoreira

De algo que as palavras não dão conta, é no que nos detemos com este trabalho.

Do que se trata viver? Do que se trata estar vivo e passar pela vida?

Não são poucas as vezes em que nos abate a paralisia, diante da inabilidade de lidar com o imponderável. Existem uns que ali permanecem, desistidos, em tempos de um não discernimento da vida, dos valores, do que pode valer a pena num regime de economia, distendido ao máximo alcance: pouco movimento, poucos desejos, poucos sonhos, pouco esforço. E existem os que passam, os que simplesmente andam em tempos outros, alheios à aceleração vertiginosa dos dias e das coisas de agora.

Ganhar espaço por dentro exige discrição. Ter coragem exige muita concentração.

Sutil diferença do tempo de economia: mínimo de movimento com o máximo de esforço. A construção de tempos outros: alquimia refinada, a de inverter polaridades internamente, transformando a dor em seiva que nutre.

E eis que me vem uma palavra, que passa a andar comigo, infalivelmente, nos meus passeios silenciosos: resignação…

O que é, onde está?

Passamos então a seguir seus rastros: oriente e ocidente, deserto e caatinga. O que age e o que espera? Para muitos, estado de acomodação passiva do qual se precisa sair. Para outros, tradições religiosas e espiritualistas de um mundo em estado de desagregação, virtude ativa e condição necessária para a conquista da felicidade, estado ao qual se precisa chegar.

Roland Barthes nos lembra, em O Neutro, o que os japoneses chamam de sabi: “simplicidade, naturalidade, não-conformismo, refinamento, liberdade, familiaridade estranhamente mitigada com desinteresse, banalidade cotidiana requintadamente velada de interioridade transcendental.”

De onde se parte e aonde se chega?

Este espetáculo diz respeito a uma forma de estar no mundo, algo que nos interessa observar, pensar e experimentar. Fé, força interior, resignação, capacidade de resistência, qualidade de resistir, neutro, princípio de delicadeza. O que for.

O que importa é que sejamos os que andam. Porque andar nos traz o silêncio, o verdadeiro processo alquímico: a transformação do metal em ouro.

Andréa Bardawil

Ficha Técnica
Concepção, direção e composição coreográfica – Andréa Bardawil
Intérpretes-criadores – Márcio Medeiros, Possidônio Montenegro e Sâmia Bittencourt
Assistente de Produção – Heber Stalin
Pesquisa e Montagem de Trilha Sonora – Consiglia Latorre
Figurino – Ruth Aragão
Assistente de Figurino – Gil
Iluminação – Walter Façanha
Projeto Gráfico e Fotos – Paulo Amoreira
Pesquisadora de plantão: Eveline Nogueira
O espetáculo Os Tempos permanecerá em cartaz nos dias 02, 03, 09, 10, 16, 17, 23 e 24, sempre às 19h, no Instituto Aquilae (rua Marcondes Pereira, 1077, fone 3272 4701). A platéia será limitada a 40 pessoas por dia. As reservas podem ser feitas pelo telefone 8744 4301 (Heber), e serão mantidas até 20min antes do início do espetáculo. A partir deste prazo, serão disponibilizadas aos demais interessados. Ingressos: R$ 10,00 (inteira) e R$ 5,00 (meia)

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